Quando o ciúme se transforma em transtorno
A lei Maria da Penha completou 12 anos em agosto, mas numa infeliz coincidência, agosto foi um mês marcado pela violência contra mulher especialmente pela repercussão do trágico caso da advogada atirada do prédio em Guarapuava, PR. Casos semelhantes aconteceram no mesmo período pelo mesmo motivo, ou seja, matou porque não aceitava o fim do relacionamento. A maioria dos praticantes de violência contra a mulher tem em comum um transtorno delirante conhecido como Síndrome de Otelo. O nome é inspirado na obra de Shakespeare, onde o personagem principal, Otelo, cria uma série de suspeitas sobre a suposta infidelidade de sua mulher Desdêmona chegando a assassiná-la e cometer suicídio. A obra foi escrita em 1603, mas diante do contexto que estamos vivendo, torna-se atual.
As pessoas que têm essa síndrome sofrem com o delírio de que seus parceiros ou parceiras são infiéis e dessa forma buscam a todo custo reunir indícios ou provas para mostrar que estão certas gerando um quadro obsessivo compulsivo (TOC). O desejo intenso de querer controlar o cônjuge leva a comportamentos como, espionar, examinar celulares, bolsos, agendas e até fazer visitas surpresas no trabalho. A vida do casal transforma-se num inferno com agressões físicas e morais podendo culminar com homicídio. A separação do casal seria a solução mais razoável, mas quem convive com a pessoa doente torna-se codependente e por mais que tente, não consegue sair da relação, apesar do sofrimento.
É importante diferenciar o ciúme normal daquele que é patológico. Enquanto o ciúme normal é transitório e não altera o comportamento de quem o sente, o ciúme patológico provoca reações emocionais descontroladas afetando drasticamente toda a família inclusive os filhos. A síndrome de Otelo é um transtorno e está incluída na Classificação Internacional de Doenças CID-10, portanto, deve ser tratada clinicamente.
A taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo, mas poderia ser menor se houvesse mais informações sobre saúde mental. Infelizmente, só conhecemos o problema depois que ele vira crime. Se você tem amigo ou parente que apresenta sinais de estar com ciúme patológico, tente conversar abertamente com ele sobre o problema e encoraje-o a buscar ajuda psicológica. Antes de julgá-lo e condená-lo, saiba que ele também sofre, precisa de psicoterapia e em casos extremos, até de medicação. Essa simples atitude pode evitar tragédias e contribuir para que Otelo seja apenas um personagem do teatro.
Romildo R.Almeida
Psicólogo clínico
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