Não parece, mas os termos acima estão muito mais presentes no nosso dia a dia do que podemos imaginar. Quem nunca se viu de frente com um deficiente físico tentando atravessar a rua sem encontrar, do outro lado uma calçada rebaixada? Quem já se deu ao trabalho de fazer uma breve estatística na faculdade onde estuda, e contatar que o número de negros é proporcionalmente menor ao de brancos. Porque a delinquência está mais presente entre negros? Se fizermos uma estatística racial na população carcerária, será que encontraremos um equilíbrio entre o número de negros e de brancos? Será que as mulheres recebem remuneração igual ao dos homens, nas empresas onde trabalham e são promovidas com o mesmo critério que se promovem os homens? Quem nunca viu um homossexual ser desrespeitado em algum lugar? Todas essas questões, dizem respeito ao tema: Preconceito, discriminação e racismo.
Em primeiro lugar, precisamos entender bem o que significa a palavra preconceito. De acordo com o dicionário Aurélio, é “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; ideia preconcebida”. Ou ainda: “julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo” e “suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões”. Mas ter um conceito formado, ainda que sem ponderação nenhuma e não expressa-lo, não constitui crime algum. O crime só acontece quando alguém que tem um conceito formado sem nenhuma análise ou conhecimento, resolve expressa-lo. Neste caso, estamos diante de uma situação de discriminação. Esta sim é um crime que fere o artigo 5º da constituição.
De acordo com o dicionário, discriminação é definida como “ato de distinguir, estabelecer diferença, separar”. Ou seja, a discriminação é a materialização do preconceito. Quando se pensa que um homem é menos capacitado do que outro por causa de sua cor, está se praticando o preconceito; mas quando se xinga esse homem de incapaz, deixando expresso que a ofensa foi motivada por conta da cor da pele diferente, está de exercendo a discriminação.
Completando as definições, fomos buscar no dicionário o significado de uma outra palavra: Racismo que segundo o Aurélio, diz respeito a qualquer doutrina que sustenta a superioridade biológica, cultural e/ou moral de determinada raça, povo ou grupo social”,
O 5º da constituição federal, diz o seguinte: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade….”
Se refletirmos a cerca da definição das palavras preconceito, discriminação e racismo e analisarmos o artigo 5º da nossa constituição, veremos que ter preconceito de alguém e discrimina-lo por isso, é antes de mais nada, uma transgressão jurídica e esse fato deveria ser suficiente para garantir que todos pudessem gozar de liberdade de pensamento, credo religioso uma vez que quem praticasse tais discriminações, deveria ser preso.
Mas, a verdade não é bem esta. Apesar do direito de igualdade garantido pela Constituição, todos sabem que a prática discriminatória, mesmo velada, existe. Negros, brancos, pobres, índios, mulheres, analfabetos, homossexuais, mães solteiras, desempregados. Qualquer um pode ser vítima dela.
Curiosamente, voltou à tona, com o assassinato do deputado estadual e coronel da reserva da PM Ubiratan Guimarães, um dos episódios mais tristes que mobilizou a opinião pública nacional e a imprensa mundial: O massacre do Carandiru. Este episódio trouxe, na época, a discussão sobre a questão dos direitos humanos praticados no Brasil e de acordo com os órgãos internacionais o Brasil está numa posição muito baixa em relação a outros países, quando se trata de garantir os direitos dos seus cidadãos.
Se o artigo 5º da constituição garante igualdade de direitos à todos os cidadãos brasileiros, o Estado tem a obrigação de protege-los, sem discriminar sua cor, credo, ou condição social. Não foi o que aconteceu em outubro de 1992 no conhecido fato denominado massacre do Carandiru. O massacre do Carandiru teve repercussão internacional devido à quantidade de mortos envolvidos e também pela forma como os presos foram abordados e mortos pela polícia. Apesar de a operação ter resultado em 111 mortes. O coronel Ubiratan chegou a ser condenado, em 2001, a 632 anos de prisão pelas mortes de 102 presos e por cinco tentativas de homicídio, mas recorreu em liberdade. Em fevereiro último, o julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça e Ubiratan, absolvido.
As vítimas foram acuadas e muitas delas acabaram mortas nas celas, sem chance de defesa. Sobreviventes do massacre relataram, mais tarde, que alguns presos se jogaram em cima de cadáveres para fingir que estavam mortos. O comportamento das autoridades, em esconder o verdadeiro número de mortos da imprensa e das famílias das vítimas, também foi um fator que contribuiu para que o caso ganhasse ainda mais repercussão.
A opinião pública, por sua vez, demonstrou o seu preconceito elegendo o coronel como deputado estadual por uma expressiva margem de votos.
O apoio popular à violência e à pena de morte é mais uma expressão da falta de informação sobre cidadania e reafirma o preconceito e a discriminação de um povo pelo seu próprio cidadão. A imprensa que deveria informar e conscientizar a população tem parte dela engajada na campanha pela pena capital cunhando frases chavões discriminatórios do tipo: “Direitos humanos para bandidos” como se bandidos não fossem humanos.
Para não sermos preconceituosos e cometermos discriminação, é preciso analisar o contexto da violência antes de sair defendendo a pena de morte. E aí não sobram margens para engano. No Brasil, existem 24,3 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, e a distribuição de renda é uma das mais injustas do planeta. Com noventa por cento das riquezas nas mãos de poucos, enquanto a grande maioria pena para sobreviver, não dá para achar que o problema da violência se resolverá só com o emprego de força e se pensarmos assim, estaríamos cometendo um grande preconceito.
A situação de insegurança, pela qual passamos, afeta nosso equilíbrio psicológico. As pessoas vivem estressadas com medo, e o medo afeta nossos valores. Afinal, como explicar que um país com noventa por cento do povo cristão não se indigne mais com a fome e a miséria, e a maioria ainda seja favorável à pena de morte achando que ela vai resolver o problema da violência. Será que esta análise está totalmente correta?
A reposta é: NÃO! É inútil tentarmos nos livrar de nossa própria sombra. Essa violência que está estampada na nossa frente é resultado da nossa própria sociedade injusta e desumana. Ademais, os crimes do colarinho branco, a roubalheira que ocorre nos palácios do governo à luz do dia, não são mais bonitos do que aqueles que ocorrem nas ruas da cidade. No entanto, ninguém defende a pena de morte para políticos corruptos; pelo contrário, batem palmas e os reelegem nas eleições seguintes.
A violência deixou de ser só um caso de polícia ou de política. A violência só acabará com a inclusão social por meio da educação, de políticas de governo que tirem as crianças e os jovens da zona de risco que levam à marginalidade. A violência só acabará com ações que envolvam a participação de todos, ou seja, quando governo e sociedade se derem as mãos e os políticos descerem dos palanques eleitorais.
A violência só acabará quando a ganância dos poderosos famintos de lucros der lugar ao compromisso com a justiça, e quando a classe média alta e a elite entenderem que a maneira mais inteligente de se ter segurança é devolver ao homem a sua dignidade. O bandido que temos que derrotar tem nome. Chama-se desigualdade social.
Concluindo, enquanto a desigualdade social existir, teremos um ciclo vicioso envolvendo violência, marginalidade e delinqüência, enquanto uma camada privilegiada da população que detém o poder econômico investirá cada vez mais em segurança particular transformando os condomínios de luxo em guetos de tranqüilidade. O fosso existente entre ricos e pobres é o cenário ideal para que o preconceito e a discriminação cresçam cada vez mais se tornando um mecanismo de defesa de uma elite ameaçada.
A saída é pensarmos nas causas verdadeiras que promovem a violência. O caminho para uma sociedade justa e fraterna, passa obrigatoriamente por um modelo de convivência, na qual as minorias são respeitadas e não haja tanta diferença entre ricos e pobres. Só assim, poderemos derrubar os muros do preconceito e da discriminação.
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